ENTRE
O MAR E O ROCHEDO, UM GENERAL ESMAGADO E O POVO ESCANTEADO
Aristophanes
Pereira
As
notícias sobre fatos e ocorrências contemporâneos
tomam forma, se decompõem, ou se transformam, tão rapidamente, aqui e mundo
afora, que pode incorrer em grave equívoco, quem busca interpretá-las, com
retidão e boa fé. Enquanto são notícias fúteis, tudo bem. Dá pra
suportar, e eventuais distorções caem no deboche popular. Entretanto,
quando emanam de pessoas, entidades, instituições e autoridades, supostamente
infalíveis, ou, pelo menos, confiáveis e responsáveis, podem causar danos
irreparáveis e, até, criminosos, por deformações conceituais, falsidades, presunções
sem base científica, ou leviandades oportunistas.
Essa observação generalizada ganha força e mais graves
dimensões, quando a “notícia” é propalada no âmbito de um estado de
coisas vulnerável à manipulação da informação e carente de orientações consistentes.
Piora mais, se avalizadas e promulgadas por autoridades, com poder de
decisão, em momento como o que vivemos, vitimados pelo flagelo de uma doença
pandêmica, traiçoeira e mortal. Esse o cenário que bem se aplica ao Brasil,
em particular, depois de experimentarmos 10 meses assustados e tumultuados pela
Covid-19, navegando por incertezas, desgovernos, incompetências e
deliberadas confusões, que nos alçaram a patamares desoladores, com números acima
de cinco milhões de doentes e mais de 150 mil mortos, numa proeminência
vergonhosa perante o mundo.
É rudimentar
o conceito de vacina, aprendido desde sua curiosa
e histórica criação, há cerca de 125 anos, destinada a prevenir a varíola – a
popular bexiga – doença contagiosa, assustadora e letal. Criança, nos
anos 30, ainda carrego no braço direito a tênue cicatriz deixada pelo
arranhão da vacina salvadora. Depois, no correr da vida, sofri os medos de doenças
graves e temidas, na época, como tuberculose, sarampo, raiva, tétano,
coqueluche, papeira, poliomielite, gripe, febre amarela, difteria, hepatite, entre
outras, que novas vacinas, felizmente, domaram, além de muitas moléstias, que os
antibióticos viriam a debelar, ou diminuir a letalidade.
Na
contramão, são episódios de triste memória as divergências
alimentadas pela ignorância e por interesses políticos, que ocasionaram, em
alguns momentos, conflitos cruentos e retardatários, em protestos contra a
disciplina científica e repudio à vacinação universalizada. Foi o caso,
para prevenção da varíola, no Rio de Janeiro, configurando o motim conhecido
como Revolta da Vacina(1904), ao final superado pela determinação
e ciência do infectologista Oswaldo Cruz(1872-1917), hoje
um nome que orgulha a Medicina brasileira.
Por
diversos caminhos e meios – com recursos abundantes, novas
tecnologias, intensa pesquisa cientifica, esforços heroicos e associações
humanitárias, sem fronteiras – já divisamos, com proximidade, algumas vacinas
promissoras, para conter o “velho” corona vírus e sua nova onda que se
espraia pela desleixada Europa. Enquanto isso, no Brasil, na esteira
daqueles números macabros, e na reedição de deploráveis atitudes de mesquinhos
interesses políticos, pinimbas eleitoreiras e paixões ideológicas, polarizam-se
posições, no embate autofágico e antifederalista do presidente da república
e 27 governadores. Embate, sustentado por “tuitadas” levianas, que
culminou em arroubos autoritários, na castração de nossa Saúde Pública e
na desmoralização de mais um ministro, desta vez com farda de general.
São
naturais e toleráveis oposições pontuais de pessoas, ou
pequenos grupos de convicções ortodoxas, à vacinação contra certas doenças e
sob determinadas condições. A cobertura de 100% do universo é praticamente
inatingível. O Brasil, que tem posição elogiável como “vacinador”,
em numerosas campanhas bem sucedidas, desfruta de uma notável resiliência
na aceitação dos procedimentos de vacinação, com o empenho e suporte de
instituições de reconhecida competência cientifica, como o Instituto Oswaldo
Cruz(Rio de Janeiro), Instituto Butantan(São Paulo), Instituto de
Infectologia Emilio Ribas(São Paulo), dentre muitas outras instituições
assemelhadas, acreditadas, no país e no exterior.
Nesse
contexto, parece-me de pouca sensatez imaginar que a milenar China(não
importa a cor do gato...), com a evidência de seu prestígio mundial e, no
caso, a associação com o nosso competente e valoroso Instituto Butantã,
esteja urdindo, sob os olhos aguçados da
comunidade cientifica mundial, o que seria uma mentira descomunal,
na fabricação e aplicação da nova vacina CoronaVac, do laboratório
Sinovac.
Sopesadas
as razões de cada lado, nesta briga mesquinha entre o mar e
o rochedo, lamento, e fico triste, pela melancólica rendição do obediente
general de brigada, vencido pelo abuso de autoridade de um capitão –
sabidamente inconsequente e indisciplinado – passível de falta, por “exercício” reincidente
e irregular da medicina. E que o bom senso prevaleça, nas gestões dos
governadores benignamente consorciados, em favor da vacina, sob a tutela de uma
ANVISA, que já dá mostra de independência e altivez. O povo agradecerá.
Jaboatão
dos Guararapes-PE,23/10/20.
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