A LIBERTAÇÃO DAS PRISÕES ETERNAS
Aristophanes Pereira
A melhor teoria científica sugere que, a partir do momento em que uma bolinha, hiper concentrada, densa ao extremo, explodiu, num Big Bang, há quase de 14 bilhões de anos, o Universo se expande, de dentro para fora, em todas as direções, dando forma a uma bolha crescente, em busca do infinito.
Os “estilhaços” da explosão inicial, dentro dessa bolha, não explicam de onde vieram, antes de se despedaçarem no pipoco. Não há teoria, nem cientifica, nem teológica, empenhada em explicar o “antes”. É como quem foge do assunto, com “cara de paisagem”. Parecemos nos conformar com o mistério divino e o enigma científico, que é a lacuna desse “elo perdido”, e aceitamos, como dogma, que “o criador se criou”. O que prevalece é a realidade mais compreensiva e palpável do “depois”, que se confunde com o “agora”, aguçando a nossa curiosidade e estimulando a busca, para entender o processo da criação visível, pós Big Bang.
São bilhões de galáxias multiformes, contendo trilhões de estrelas, com seus planetas e tantos outros corpos, de variados padrões, e mergulhados no éter de poeira cósmica, dos raios, das ondas magnéticas e dos buracos negros. Tudo, aparentemente, espesso e denso, mas separados por distâncias incomensuráveis, só medidas na escala de anos-luz, e sob leis que distorcem a Física Newtoniana e a Geometria Euclidiana.
Isolado, num braço longo e afastado do centro de nossa galáxia espiralada – que os antigos batizaram de Via Lactea – localizamos o “endereço” da nossa maravilhosa estrela – o Sol – de 5ª magnitude, dentre suas semelhantes, arrodeada de uns poucos planetas e seus satélites, cometas, asteroides e muitos mistérios ambulantes. Num dos planetas – a Terra, banhada por muita agua – joia rara enfeitada de recursos naturais, vitalidade e diversidade biológicas, a Natureza, aqui, aprimorou a vida, criando, depois de muitas versões, um ser excepcional, em forma de animal, mas dotado de consciência, que se autodenominou Homo Sapiens.
A replicação desse fenômeno humano é problema que perturba a mente do Homo Sapiens, inconformado com sua aparente exclusividade e seu inquebrantável isolamento, na vastidão da bolha cósmica. Já sabedor, por claras evidências cientificas, da existência de outros mundos, estelares e planetários, espalhados aos bilhões, pelo imenso universo em expansão, ele formula teorias, hipóteses e se instrumentaliza, na ânsia de um “contato” com outras vidas. Ciência e religião, agora, liberadas pela supremacia do livre pensar, caminham por trilhas distintas, porém sem os freios do obscurantismo e sem os castigos da mentalidade medieval.
Na linha da doutrina cientifica, a compreensão do mundo cósmico avança a cada dia, por descobertas fantásticas, de complexo entendimento, surpreendentes e inimagináveis, até o dia anterior. Paradoxalmente – dispensadas as fantasias e narrativas das ficções literária e cinematográfica – essas descobertas ensinam e evidenciam a impossibilidade dos contatos diretos e acessos carnais a outros mundos, além do nosso delimitado Sistema Solar. São intransponíveis as separações físicas, invencíveis as distâncias de anos-luz e insuperável a debilidade biológica dos humanos. Estamos, assim, condenados ao solitário espaço de uma eterna prisão solar.
As crenças religiosas, por princípios de pura fé, ou pelas mensagens sagradas, propiciam à permanente procissão de transeuntes humanos, na travessia do “vale de lágrimas”, o conforto místico de uma esperançosa transposição, para um espaço imaterial, indefinido e eterno. Uma ínfima fração de vida terrestre almeja conquistar um renascer paradisíaco, numa troca de tempos desigual e incompreensível. No acesso, há juízos, avaliações de condutas venais, gradações de penas e premiações individuais. Entretanto, a infinitude desse novo espaço-tempo equaliza, banaliza e fadiga as almas, por força da prisão comunal, na exaustiva mesmice eterna.
Entendo, na companhia de muitos, que alcançaríamos maior proveito existencial e alívio espiritual se, de um lado, aceitássemos a impossibilidade de escapar da prisão solar e, de outro, deixássemos de nos devotar à incerteza da absurda mesmice eterna. E que o direcionamento dessa nova crença realista, cultora de devoções éticas e morais, fosse feito em proveito da melhoria do nosso habitat terreno e do aprimoramento da condição humana. Seguindo o padrão singelo da Vida, que nos dá um tempo único, sem antes e sem depois, valorizando e enaltecendo o durante. S.m.j.
Jaboatão Dos Guararapes(PE) 31/12/2020
Foto: Site no Google; Rafael Schmall/Insight Investment Astronomy.