DERRETENDO GELEIRAS ENTRE GERAÇÕES
Aristophanes Pereira
A conhecida “Pirâmide Etária”, aquele gráfico, um tanto complicado, que mostra o perfil etário de um conjunto populacional, já está perdendo a forma de pirâmide, em muitos países ricos e de boa qualidade de vida. Aqui no Brasil, apesar dos pesares, essa tendência não piramidal está, também, ocorrendo, e projeta-se que, num futuro próximo, ai por 2050, não mais representaremos uma pirâmide, mas um contorcido retângulo.
Não vou buscar as boas causas desse fenômeno, nem investigar todas as possíveis consequências. Quero realçar, apenas, alguns aspectos da questão e, de pronto, refutar aquela falácia de jovens que dizem, quando encontram um bem posto octogenário: ”Ah! Queria eu chegar, assim, a essa idade”! Vão chegar, e em quantidade crescente. Na década de 1960, a expectativa de vida média do brasileiro ficava em torno de 60 anos, hoje 50 anos depois, alcança 76 anos. Grande conquista! imagine se tivéssemos bons serviços públicos?!
Frequentes relatos nos dão conta de maravilhosos trabalhos e impressionantes projetos tecnológicos, em vários campos da Ciência, que se desenvolvem em grandes laboratórios e empresas. No emblemático Vale do Silício, na California, impera a chamada Geração Millennials, dos nascidos entre a década de 80 e o ano 2000, também referida como Geração-Y, caracterizada pela contemporaneidade com a Internet e focada nas conquistas tecnológicas que vêm revolucionando o mundo. São alimentos artificiais, peças da precisão produzidas por impressoras, supermercados sem atendentes, remédios milagrosos, próteses que prolongarão a vida e, como não poderia deixar de acontecer, a extinção de milhões de antigos empregos e a criação de novas especialidades. Não é ficção cientifica. São produtos que já estão nas prateleiras e projetos que serão realidades mudancistas, em futuro visível.
É nesse ambiente de constantes mutações de produtos e estilos de vida, que estão reaprendendo a viver e ajustando suas interações o crescente grupo de longevos, que alarga o ápice da “pirâmide”, e o minguante contingente de jovens, que estreita o meio e a base. Daí, já pintam, aqui e acolá – conforme o estágio de desenvolvimento, cultura e crenças religiosas – arrumações de convívio e novos hábitos, há pouco inimagináveis.
O filme “Um Senhor Estagiário(The Intern)”, com fino humor, conta a estória de Ben(Robert De Niro), um executivo aposentado, de 70 anos, que aceita trabalhar, como estagiário sênior, em uma dinâmica e jovem empresa que alimenta um inusitado projeto de contratar idosos, como estagiários, em uma tentativa de colocá-los de volta à ativa. Saindo da mesmice de sua aposentadoria, Ben almeja se reinventar, no convívio com outras gerações, e no repasse de sua experiência. No correr de engraçadas situações, planta ensinamentos, é aceito pela comunidade jovem, quebra paradigmas e proporciona um romântico happy end.
Noutro caso, dias atrás, recolhi do Estadão uma reportagem(NOS EUA, IDOSOS SÃO A ÚLTIMA MODA NAS UNIVERSIDADES, 15/9/2019), mostrando experiências, já em curso, de prestigiosas universidades americanas que constroem, vizinhos aos seus câmpus, condomínios para idosos. Querem, assim, aproximá-los das lides escolares e dos jovens universitários, buscando um benfazejo colóquio de troca de experiências e interface de distintas gerações, além de uma disfarçada fonte de receita. “Elas estão trazendo uma nova geração (ou velha geração) para os câmpus para encher as salas de aula, comer nos restaurantes dos alunos, assistir a performances estudantis e se tornarem mentores”, provoca a reportagem.
Vejo com entusiasmo e confiança esse ambiente de tendências compreensivas e criativas de pontes, que podem superar preconceitos, animar encontros e interligar espaços proveitosos, para o convívio produtivo e salutar de velhos e jovens, derretendo geleiras entre gerações.
Pessoalmente, divago sobre as linhas de um singelo projeto, mediante o qual anciãos produtivos e capacitados fossem adotados, em escolas de ensino médio, para lecionar a cadeira opcional “Troca de Ideias”, entre o mentor idoso e jovens alunos. Fica a sugestão.
Já se desenha um bom começo, no derretimento das geleiras, mas há naturais forças repulsivas – arraigados hábitos e prevenções, de um lado, e excessos libertários e preconceitos, de outro. Entre os bisavôs e os longínquos bisnetinhos, no tempo e no espaço, cabe um estudo-de-caso. Ainda tenros, estão separados por três gerações, acumulando um hiato temporal e cultural de mais de 75 anos. É dose! Estou fazendo a minha parte, mas os bichinhos são arredios...
Jaboatão dos Guararapes, 27/9/19
FOTO: Crédito da avó Christina, no flagrante do “Bisa” com a “domada” bisneta Celina, separados por uma geleira de 87 anos!